sábado, 4 de novembro de 2006

Ambiente Poético II




deita água na minha fronte.
e bebe.
desta fonte aqui onde
a carne molhada são papoulas.
isso.
papoulas mergulhadas.

veja isto. um poema.
se parece conosco minha criança querida
THE SLEEPERS ELM

AH, NÃO. NÃO.
parece assim que a vida é uma porcaria.
Sylvia Plath então, que horror. que horror.
deita água em minha fronte.
e deita.
isso.

não entendes? LAUTRÉAMONT-LOHENGRIN-LAFORGUE?
lábio língua labor.
que abismo de lábios que alar de línguas?
não entendes? escute

esquece isto.
vem. matar a sede das madrugadas.
passar o toque da seda
nas reentrâncias insabidas
olhos transidos êxtases coloridos
trator das unhas viajadas de carne

acompanha meus passos, não os do homem.
os do menino. do caprídeo. do longe.
que ao final deste percorrido, mundéu.
vasta sentinela de cabeleiras douradas
que poço eu sou que fundura tanta
que fundo eu sou poçura quanta
meu amor, diga-me sopre-me uns versos ...

eu não sei. não sei.
destas tuas cousas assim de poço.
água imunda eu acho.
cacho de frutas podres. às vezes doce?
doçura triste posso cantar?
miar? acho que minhas dores a Ti
parecem miados?
oh, como me deixas? traste, arraste
que vida! que vida!

(aperta as mãozinhas delicadas
de encontro ao rosto e chora
demoradamente)

devia ser uma blasfêmia MESMO
o pranto da mulher
que altura que baixeza
estas lágrimas de lodo & ouro
estas pupilas de rubi & vidro

estás zangado comigo não estás?
juro, te farei o melhor,
o que quiseres, me arrastarei
serei o mosaico e a cor buscada
a rajadas de vento furioso & grito
juro, te darei o meu pior,
os meus negrumes pintalgados
de açoite e lama-monstra
mas não te afastas e não te alastras
como o mar poesiatua NUNCAMAIS
POESIATUA assim é que me MATAS
ficaremos os dois em silêncio, que tal?
cataremos conchinhas arrancaremos
asinhas e anteninhas de rouxinol e besouro
mas, não mais cousas de dentro, te peço
deita água em minha fronte.
me come.
Te deleita.
amanhã carne molhada.
isso. bebe.
papoulas de sangue.
menino ...
mundéu. olhos de seda. poço.


Anderson Dantas, escritos esparsos, 2006.
Location:Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.


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