quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

da idéia original sobre: uma carta talvez


A chuva
não tem pecado.

mas apunhala
as vidraças
pelas vidra_
ças

e onde quieta
debruça seu pranto
molhante

o que temos de original para hoje?
engasga-se nos becos
as lamas de sempre
e depois chega
o sol
um ator fanfarrão

que abafa um sopro

e depois mais um.

e uma criança queda no lavatório.

babujado pela baba
asquerosa de
deus.

no pulso não mais trago
o relógio retardante
pois as rodas correram léguas
e só para encontrar um rosto desconhecido

e ausente

não eram mais pássaros
no dia seguinte

e nem chovia
e nem fazia sol

o vento lambeu pele e mais
vento

deitou seu murmúrio
como uma música

acariciada.

Deu para avistar

um arco que divisava
a cidade

e depois um arco

que parecia ser de um
violino

de um negro e suas notas

nesse espelho ainda havia
um cavalo febril
que embalava seus cascos

e ainda o mar

para que não falte esse
salgado gosto
na garganta

pelos telhados
lavou-se o pó

e a bosta dos pássaros

a bendita chuva.

a lã era um vasto velo
entre rebanho
e campos de algodão

e o arco
e uma miséria sem blues.

E depois, se bem
me
lembro

não houve depois

tudo estava perto,
molhado,

em poças, em cadafalsos
em poços

sem ajustes de corda, sem pecado.


Anderson Dantas, Ilha, 27 Dezembro 2007 (chove na cidade)_

domingo, 11 de novembro de 2007

PAUL ÉLUARD, Algumas das palavras (trechos)


Tristeza de ondas de pedra.


Lâminas apunhalam lâminas
Vidros quebram vidros
Lâmpadas apagam lâmpadas.

Tantos laços quebrados.

A flecha e a ferida
O olho e a luz
A ascensão e a cabeça.

Invisível no silêncio.


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Vi o meu melhor amigo
Abrir nas ruas da cidade
Em todas as ruas uma noite
O extenso túnel do seu desgosto
E oferecer a
Todas as mulheres
Uma rosa privilegiada
Uma rosa de orvalho
Igual à embriaguez de ter sede
Humildemente lhes pedia
Que aceitassem
Esse pequeno miosótis
Rosa resplandecente e ridícula
Na sua mão inteligente
Na sua mão em flor
O medo a opressão a miséria


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14.

Párias a morte a terra e a fealdade
Dos nossos inimigos tem a cor
Monótona da nossa noite
Havemos de vencer.


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Pour donner à la femme
Méditative et seule
La forme dês caresses
Qu´elle a rêvées


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Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trêmulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e dura

Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.


(Paul Éluard, tradução de Antonio Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge)


sexta-feira, 9 de novembro de 2007

eu, monolito





sou-tenso

fincado, dura raíz.
e, como uma
fera,
reteso e estaco.

em pegada
estranha
sulco e terra

ágil e pesado
passo
e silêncio

não é pesar
não
me saber

pois
rito, grito
em nada explico

não
me saberás
nunca a contento

e muito menos
mão à petala

mas,
garra

mãos de pedra.
Anderson Dantas, Nov/07, Ilha.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

GENEALOGIA




mãos:
intenção

boca:
espanto

olhos:
lente

pés:
vôo

anjos:
homens

prisão:
mundo

deus:
mistério

grandeza:
todo

baixeza:
ato

espírito:
matéria

(Anderson Dantas, Ilha, Julho 2007)


domingo, 10 de junho de 2007

Ivan (Angelo), o Terrível




Transparências:
Transparências:
Transparências:
Transparências:

vitral vivo
visões triplexas
a forma informa
o choc do choque

vitríolo no vértice
verso e anverso
a força deforma
o ai do pai

vertigem
o olho deságua
o bago do olho
a face desfaz-se

no ventre da filha
na coxa na concha
o fio desfia
o pã da pancada

vislumbres
no cocho das coxas
(o pai desespai)
a uva da vulva

vitral decúbito
reflexos de flechas
o peito desfeito
o oh do homem

vara a vidragem
na racha roxa
o fecho desfecho
o hi do hímen

viragem
debaixo do cóccix
a filha desfolha
a fila do falo

vértice vertigem
nas duas feridas
a fila desfila
a fala do falo

volta voltagem
no basso no braço
a mama desmama
o tim do tímpano

ventríloquo informe
e daí o complexo
o preso desprezo
o nome da mãe

vislumbres dos idos
de lasso cabaço
o torque retorce
o au do pau

nos vidros e vividos
na baça vidraça
o laço desenlace
o rito do grito




Ivan Angelo, in A Casa de Vidro

quinta-feira, 7 de junho de 2007

QUANDO LYA ESCREVIA








Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.



Lya Luft, A Sentinela

sexta-feira, 25 de maio de 2007

TUA CARA


Não cresci

para os arbustos

da tua cara.

sábado, 17 de março de 2007

WILLIAM BLAKE: Visionário e Satanista



Ah, Girassol

Ah, Girassol! giras no tédio do tempo
Do sol contando os passos
Buscas o dourado e doce campo
Luminoso rumo dos peregrinos



Tradução de Alberto Marsicano.



Manhã

Para achar a estrada do oeste
E ir pelos portais da ira
Eu me apresso.
Suave clemência me guia.
Com doce e penitente lamento
Vejo o romper do dia.

A guerra de sabres e espadas
Em lágrimas orvalhadas
Dissolve-se.
O sol, livre do medo,
Em pranto grato e meigo
Sobe no céu.



Tradução de Regina de Barros Carvalho



Uma Árvore de Veneno


Zanguei-me com meu amigo:
A ira cessou, eu a digo.
Com o inimigo zanguei-me:
A ira cresceu, eu calei-me.

E a reguei de alma sombria
Com meu pranto noite e dia;
E a expus ao sol de gentis
Risos e falsos ardis.

E cresceu noite e manhã,
Dando luzente maçã;
Ao ver o brilho que tinha,
E sabendo que era minha,

Veio o inimigo ao pomar
Após a noite tombar.
Bem cedo o vi, com agrado,
Ao pé da árvore estirado.



Tradução de Paulo Vizioli

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Suicídio


Gérard, Georg, Gogh,

dizei-me que há no paladar

deste doce alívio


intrincada dádiva

a agulha, a bala, a forca


rilham os dentes rubifulgentes

do Inferno, merencório Dante


escarificado em febre

a coragem me abandona


fruem colmadas

as árias nos penedos.

domingo, 21 de janeiro de 2007

Anna Akhmátova (Caderno Russo III)



RÉQUIEM: UM CICLO DE POEMAS
(1935-1940)


RÉQUIEM

Não, não foi sob um céu estrangeiro,
nem ao abrigo de asas estrangeiras –
eu estava bem no meio de meu povo,
lá onde o meu povo infelizmente estava.




PRÓLOGO

Houve um tempo em que só sorriam
os mortos, felizes em seu repouso.
E como um apêndice supérfluo, balançava
Leningrado, pendurada às suas prisões.
E quando, enlouquecidos pelo sofrimento,
os regimentos de condenados iam embora,
para eles as locomotivas cantavam
sua aguda canção de despedida.
As estrelas da morte pairavam sobe nós
e a Rússia inocente torcia-se de dor
sob as botas ensangüentadas
e os pneus das Marias Pretas.



EPÍLOGO


Aprendi como os rostos se desfazem,
como o pavor dardeja sob as pálpebras,
como a dor sulca a tabuinha do rosto
como seus rugosos caracteres cuneiformes,
como os cachos negros ou cinzentos
de um dia para o outro se prateiam,
como em lábios submissos o sorriso fenece
e, com um risinho seco, como se treme de medo.
E não é só por mim que rezo,
mas por todas as que estiveram lá comigo,
no frio selvagem, no tórrido mês de julho,
em frente à muralha rubra e cega.

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