quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Barthes e os Fragmentos do Amor














A


(angústia)

     2. O psicótico vive no temor do colapso (contra o qual suas diversas psicoses não passariam de defesas). Mas no “temor clínico do colapso esconde-se o temor de um colapso que já foi experimentado (primitive agony) [ ... ] e há momentos em que um paciente necessita que lhe digam que o colapso que o atemoriza, minando assim sua vida, já aconteceu”. O mesmo vale, parece, para a angústia de amor: ela é o temor de um luto que já aconteceu, na origem mesma do amor, no momento mesmo em que fui seduzido. Seria preciso que alguém pudesse me dizer: “Não fique mais angustiado, você já o/a perdeu.”


M

(mutismo)

     2. Esta escuta fugidia, que só posso capturar com atraso, leva-me a um pensamento sórdido: profundamente empenhado em seduzir, em distrair, eu acreditava expor, ao falar, tesouros de engenhosidade, mas tais tesouros são apreciados com indiferença; dispendo minhas “qualidades” à toa: toda uma excitação de afetos, de doutrinas, de saberes, de delicadeza, todo o brilho do meu eu vem esmaecer-se, amortecer-se num espaço inerte, como se – pensamento culpável – minha qualidade excedesse a do objeto amado, como se eu estivesse à sua frente. Ora, a relação afetiva é uma máquina exata, a consciência, a precisão, no sentido musical, são-lhe fundamentais; o descompassado logo se mostra demais: minha palavra não é propriamente um dejeto, é mais precisamente algo que não se vendeu: aquilo que não se consome na hora (no movimento) e é destruído.


O

(obsceno)

     7. A obscenidade amorosa é extrema: nada pode acolhê-la, dar-lhe o valor forte de uma transgressão; a solidão do sujeito é tímida, privada de qualquer cenário: nenhum Bataille daria uma escrita a tal obsceno.
O texto amoroso (que mal chega a ser um texto) é feito de pequenos narcisismos, de mesquinharias psicológicas, não possui grandeza: ou sua grandeza (mas quem, socialmente, se apresenta para reconhecê-la?) é de não poder alcançar nenhuma grandeza do “reles materialismo”. É pois o momento impossível em que o obsceno pode realmente coincidir com a afirmação, o amém o limite da língua (todo o obsceno dizível como tal já não pode ser o último grau do obsceno: eu mesmo, ao dizê-lo, seja apenas através do cintilar de uma figura, estou recuperado).


R

(repercussão)


     1. O que repercute em mim é o que aprendo com meu corpo: algo de tênue e agudo desperta bruscamente este corpo que, nesse entretempo, dormitava no conhecimento racional de uma situação geral: a palavra, a imagem, o pensamento agem como uma chicotada. Meu corpo interior se põe a vibrar, como que sacudido por trombetas que respondem umas às outras e que se harmonizam: a incitação deixa rastros, os rastros se ampliam e tudo é (mais ou menos rapidamente) devastado. No imaginário amoroso, nada distingue a provocação mais fútil de um fato realmente conseqüente; o tempo é abalado para a frente (sobem-me à cabeça previsões catastróficas) e para trás (lembro-me com terror dos “precedentes”): a partir de um nada, todo um discurso da lembrança e da morte se erige e me domina: é o reino da memória, arma da repercussão – do “ressentimento”.



(Fragmentos de um discurso amoroso, Roland Barthes, tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar)

sobre a simultaneidade























sobre a simultaneidade

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    Ontem (inadvertidamente), recebi uma ligação de um senhor com um sotaque carregado. Por certo, não era brasileiro.
    Ele começou a falar e a falar, dizendo que soubera que eu pintava e ele era um artista plástico bastante prestigiado, havia nascido entre a Itália e a Ioguslávia. Tinha 88 anos, e fora um dos pioneiros a ensinar e a expor artes plásticas no Brasil, se estabelecendo em São Paulo, mas depois vindo morar em Santa Catarina.
    Então, disse-me que seu nome era Silvio Pléticos e que tinha interesse em conhecer pessoas que gostassem das artes, principalmente das artes plásticas. Bom, embora eu já tenha feito desenho artístico, nunca tive nenhum aprofundamento sobre essa arte.
    Soube mesmo naquele momento, que ele era um grande apaixonado pela Arte, como talvez seja o único empreendimento possível para suportar o fardo tacanho do existir, embora eu hoje, com 42 anos - por ceticismo e desencanto - não acredite muito em mais nada.
    Quem sabe possamos nos conhecer em breve, pessoalmente.

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