sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Poética do Silêncio






A Poética do Silêncio
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UMA NOITE, assolado pela solidão e melancolia, comecei a assistir um filme, que era este, OPIUM, e coincidentemente, vinha ao meu encontro naquele momento, o mesmo sentimento do protagonista, que era a aridez para escrever. Algumas imagens do filme levaram-me a pressentir alguns poemas de Trakl, como se eu estivesse em Grodek, nas camas sujas improvisadas dos feridos de guerra, mutilados tanto na carne quanto psiquicamente.
Também lembrei da entrevista que Cioran concedeu a Sylvie Jaudeau, e que transcrevo aqui algumas passagens:
- Essa nostalgia precisamente é o fundamento da sua visão de mundo. Como o senhor a define?
- Esse sentimento está, em parte, ligado às minhas origens romenas. Lá, ele impregna toda a poesia popular. É um dilaceramento indefinível que se chama, em romeno, “dor”, próximo do “sehsucht” dos alemães, mas sobretudo da “saudade” dos portugueses.
- O senhor escreveu: "Existem três tipos de melancolia: russa, portuguesa e húngara".
- O povo mais melancólico que eu conheço é o húngaro; a música cigana serve de prova disso. Brahms, na juventude, fascinou-se por ela, de onde o charme insinuante de sua obra.
- Por que o senhor rompeu com a poesia?
- Por esgotamento interior, por enfraquecimento da minha capacidade de emoção. Chega um tempo em que se fica ressecado. O interesse pela poesia está ligado a essa frescura do espírito sem a qual rapidamente os artifícios são percebidos. O mesmo vale para a prosa.  Na medida em que fico mais velho, escrever não me parece essencial. Livre de um ciclo de tormentos, descubro enfim a dor da capitulação. A rendição é a pior das superstições; sinto-me feliz de não ter sucumbido. Tenho imenso respeito pelos desistentes, os que tiveram coragem para apagar-se, sem deixar rastros.
- A sua verdade não reside no silêncio oposto hoje aos que ainda esperam livros do senhor?
- Talvez; mas se não escrevo mais, é por estar farto de caluniar o universo. Sou vítima de uma espécie de desgaste. A lucidez e a fadiga venceram-me – falo de uma fadiga filosófica tanto quanto biológica - , algo se rompeu em mim. Escreve-se por necessidade, e a lassitude elimina essa necessidade. Chega um tempo em que nada disso interessa mais. Em outras palavras, freqüentei pessoas em demasia que escreveram em excesso, obstinadas pela produção (...) Mas me parece que eu também escrevi demais. Um único livro teria bastado.

UMA NOITE em todas as noites, paira esse monstro da dúvida:
- Calar de vez ou escrever ainda?




Anderson Dantas - 2012
Eu moro numa Ilha.

3 comentários:

Anônimo disse...

Daniel F:
Não sei qual é o seu motivo. Mas uma das coisas que me tem me deixado nesse estado próximo da desistência é que não há encontro. Não que os outros sejam responsáveis por isso. Eu é que cultivo a solidão, preciso dela. Mas também considero o meio literário extremamente insalubre. O que não melhorou com a internet. Aqui tudo é questão de turmas de internautas. é outra coisa. O silêncio de todo mundo falando pra si mesmo é cansativo demais, e não me sinto diferente de nada disso. Acho que escrevemos para os mortos, no sentido literal de os que morreram ou os que ainda não nasceram. O que não quer dizer qualquer pretensão à imortalidade. Pelo contrário. Não somos menos mortais por isso. é só que nossos possíveis interlocutores (vai saber!) não são DESSE MUNDO. Isso torna o ato de escrever qualquer coisa entre o pretensioso, o arrogante e o irrisório, o ridículo.

Anderson Dantas disse...

Daniel, é como se fosse o ato de escrever (com lucidez) um sumidouro, como o fez Celan, depurando tanto a forma (e/ou conteúdo) que seus poemas se tornaram axiomas. Devo retomar ainda este tema nos próximos posts. Se houverem. Afinal, devemos nos calar?

Daniel F disse...

eu não me sinto como alguém que tem essa escolha. já fiquei muito tempo sem escrever, foi o momento mais horrível da minha vida. deixar de escrever não foi uma escolha, foi um sintoma. talvez seja uma pulsão doentia. mas sinto que escrever é que nem um desses órgãos vitais involuntários. sei que vou usar uma imagem de melodrama: mas eu não posso mandar meu coração parar de bater, apenas com minha vontade. eu posso forçá-lo a parar violentamente, mas enquanto eu tomo essa decisão ele está batendo.

sei lá. talvez seja uma demonstração de indolência da minha parte. mas não sinto que tenho controle sobre isso.

e parece que você não é diferente. é o que parece pra mim.

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