sexta-feira, 15 de março de 2013

O AMOR DUPLO E O DESESPERO DAS ÁGUAS


















LUNAR



Teu olho de lua
raiado de sombras.

Tua nádega branca
aureolada de lírios.

Teu beijo frio
pupila de neve.

Tua fala de harpa
mistério órfico.

Teu luzeiro verde
caracol de esmeralda.

Tua alma pesada
afugentada de estanho.


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TRIÂNGULO


Vem.  e me acompanha pela torva janela
como um rastro sibilante e tépida correntude
carnosos lábios que exsudam perfeita simetria

Como as distâncias e as tatuagens ardentes de carne
que peleiam aportam cais tremescurecidos de dentro
e encontro ângulo ferido de si pela manhã cinzazul

Tristes moendas que o chão varre horas afora
silencio meus olhos na adaga do número e no gozo
das chuvas bebem-se as joias da embriaguez

Tudo tamanho de tato.  Tateio a teia, a tirana tigresa
que sobe.  As colinas da pele  o caminho de sangue
nas unhas  as encostas da alma  uma tessitura de anjos

Movem-se as asas das águas.  Elas ferem o ângulo que ri
amor marejado de temporais antes  naufrágio todo de mim
pelos campônios amarelecidos em que barro e palha morrem o canto

Tive tanto medo.


tanto.


                                       
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IBIZA


Três vezes açambarcante
ao ruído negro
do meu centro.

do peito
da cabeça
do sexo.

com um xale escondida
as feições antigas
as farpas embaraçadas.

três vezes revivestes
no silêncio todo
de meu sangue e rumor.

enterrada a carne no rio
a boca   todos os buracos
sangrantes que fugi.

estupro  molhante onda
música encarnada vasculhante
de mim  de ti  das vagas frias

ferrugem  a miséria da casa
as tábuas frouxas do sorriso
a tristeza do veneno na boca do pai.

viestes de novo a viver, fúlgida
água, rugas descidas das Dunas
e a mover meu tempo de menino e peixe.



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ESTRIDOR


                        Vencido.  Em volteios, vivo
                        e ao centro sempre disposto
                        dos velames em ventos vertido.

                        Pulsante.  Eu-próprio, morto
                        nos flancos disperso,  ignaro
                        dos sexos em lençóis amantíssimo.

                        Vertigem.  Vasculhamos portos
                        encontramos moscas, mansardas
                        moles mamas, mitigando fósforos.

                        Obus.  Homem, registro tardio
                        das palavras e do régio tanque
                        fogo, guerra e arte rubra do dorso.

                        Descanso.  Fera alma arremessada
                        de dentro,  este túnel que nunca
                        cavamos, este lábio que nunca mel

                        E nas mãos mádidas  maciez imersa,
                        vê o mal.  Madrepérola.  Nácar.
                        toca-me o centro, a friez da fronte.

                        Sentes.  Em meio às coxas pendentes
                        frescos mexilhões, a idade do Tempo
                        em que jorra um céu puro e deleitoso

                        A concha retida,  o vôo da fênix  o mar
                        as gaivotas vulcanizadas,  a flama do ar
                        no centro do Ser,  flores,  onde serpeia o gozo.



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SOLAR



                               Teu olho de sol
                                               lançado de luzes.

                                               Teu ventre dourado
                                               alcantilado de peixes.

                                               Tua língua quente
                                               ardência da lava.

                                               Tua música auriterra
                                               revelação do Zoroastro.

                                               Teu Templo de chamas
                                               asas marteladas do céu.

                                               Tua alma leve
                                               alquimia dos anjos. 










(Anderson Dantas, do livro inédito O Amor duplo e o Desespero das Águas
Imagem: do filme Bela Donna de Fábio Barreto)

terça-feira, 5 de março de 2013

ANJO
















ANJO

(2ª. versão)



As esculturas perderam-se na superfície da pele e das águas que não mergulharam com suas ágeis graças. Revisitado de cinzas que o fogo nem ardeu, pois a ausência é a verdade daqueles sinceros espíritos cinzelados de puro desejo.
No teatro daquelas tristezas e antigas alegrias o vento foi o branco algodão das têmporas que avançavam exauridas, ou a falta da cabeleira que o orgulho consumiu na juventude abrasadora.
Permaneço de pé, no abismo de meu fundo negror, tal como um grande pássaro que ostenta asas soporíferas e uma umidade de sangue na ponta dos lábios ou bico a estraçalhar a presa, a suposta amada que languescente desaba do degrau de seu desprezo alaranjado.
Sem cor! Retrato da dor às minhas mãos amaldiçoado, sem seu corpo ou maciez, sem nudez às escarpas lançado para morrer sem flautas, sem música, no vermelho do choro e na mandíbula da incerteza. Foi quando aturdido o atirador de facas me convidou para no circo rolar sobre as feridas, a passear no luar das geladas angústias e do poema rasgado na véspera dos dissabores.
E eu não pus nenhuma máscara e eu ria sobre meu próprio túmulo que apodrecia dentro de mim. E na hora que Satã soprou seu vômito negro, eu estava de saída para encontrar Aurora e ela me puxou para si, com uma ânsia aterradora, e me beijou as axilas e cheirou minha alma de sete facas e eu vi-me ao longo do oceano, só, com um peixe cru recitando versos de um Teatro Perdido, e ele me jogou uma rosa de espuma e um riso de sal; daí já era tarde para encontrar Pandora e então mais uma vez eu morri. Raiado de espinhos eu subi.   Ao monte. E nunca acordado despi lentamente a bainha de meu jorro. Foi quando pela lateral da galeria meu olho ficou a ver navios por cima dos marinheiros. Parti no dia seguinte e nunca mais a vi, eu ainda lembro da primeira vez que ela confiou na minha força; mesmo forte é meu desespero e minha travessia que desarruma pelos vastos campos o diário dos homens, dos bois e das aves amigas.
Em verdade, somos um Teatro que falta zarpar junto com a fome dos tubarões e livres para o vôo dos albatrozes.  Lá de cima eu fui.  Lá embaixo no inferno que suporto.  Lá discípulo de sempre.  Anjo.







(Anderson Dantas – prosa do livro inédito Cavalos do Inferno
Foto: do filme La Fille Sur Le Pont, 1999)


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