domingo, 27 de janeiro de 2008

CADERNO EXPRESSIONISTA dois: Gottfried Benn


BELA JUVENTUDE



A boca de uma moça que há muito jazia em meio aos juncos
parecia toda ruída.
Quando abriram o peito, o esôfago era só buracos.
Acabaram achando num recanto embaixo do diafragma
um ninho de ratos jovens.
Uma das irmãzinhas pequenas morrera.
Os outros viviam do fígado e dos rins,
bebiam sangue frio e tinham
passado ali uma bela juventude.
E bela e pronta foi também a morte deles:
foram jogados todos juntos na água.
Ah, como os focinhinhos guinchavam!



(Gottfried Benn, tradução de Mario Luiz Frungillo e Luís Gonçales de Camargo)




NOIVA DE NEGRO



A nuca loura de uma mulher branca
repousava sobre uma almofada de sangue escuro.
O sol lhe maltratava os cabelos,
lambera longamente as coxas claras
e se ajoelhara junto dos seios, mais escuros,
ainda não desfigurados por vícios e partos.
Um negro ao seu lado: olhos e fronte
arrebentados por um coice de um cavalo. Havia
enfiado dois de seu imundo pé esquerdo
dentro da orelha branca e pequena dela.
Mas ela estava deitada e dormia como uma noiva:
às portas da felicidade do primeiro amor
o sangue quente e jovem na expectativa
de muitas viagens ao céu.

Até que lhe
afundassem o escalpelo na garganta branca,
e lhe atirassem um avental púrpura de sangue morto
à volta dos quadris.


(tradução de Mario Luiz Frungillo)





REQUIEM



Em cada mesa dois. Mulheres e homens entre-
cruzados. Sem tormento. E próximos e nus.
O peito esquartejado. O crânio aberto. O ventre
pela última vez agora a dar à luz.

Do cérebro aos testículos, cada um três malgas rentes.
E o templo de Deus e o estábulo infernal
agora peito a peito no chão da cuba, os dentes
a arreganhar prò Gólgota e a queda original.

O resto nos caixões. Tantos recém-nascidos:
cabelos de mulher, um peito de miúdo,
pernas de homem. De dois amantes prostituídos,
qual vindo de um só ventre, vi que ali estava tudo.



(tradução de Vasco Graça Moura)

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